Imagine que ao longo de vários anos você foi acumulando uma série de documentos em formato digital: planilhas, textos e apresentações de slides que foram sendo colecionadas durante o percurso de sua vida acadêmica e/ou profissional. Fácil, não é? Afinal, poucos são os casos em que ainda se usa o velho e bom caderno e lápis grafite para tomar nota de alguma ideia. A maioria de nós mal consegue manter a conta de quantos documentos desse tipo gerou ou possui consigo.
Apesar do conteúdo produzido por você e armazenado nesses arquivos ser exclusivamente de sua propriedade, sendo inclusive protegido pelas leis de direito autoral, o formato de arquivo em que você armazenou esses conteúdos, certamente não te pertence. Ele muito provavelmente pertence ao autor do software utilizado por você para criar todos esses arquivos. Quais são as implicações disso? É como guardar dinheiro no cofre de outra pessoa. Por mais inocente ou estranha que possa parecer esta pergunta, de fato, há muitas consequências envolvidas em uma situação como essa: a primeira delas e mais importante de todas é que você está inevitavelmente atrelado ao fornecedor do software com qual você gerou todos esses documentos.
É ele quem vai dizer para você quando você deve adquirir uma nova versão de sua suite de escritórios (mesmo que isso acarrete na necessidade da compra de um novo hardware), ou quando você deve utilizar um novo formato, que será empurrado a você sem que você entenda as consequências dessa mudança. Alguma vez você recebeu ou enviou um arquivo de escritório, o qual não foi possível abrir e conferir o conteúdo do documento? Quem nunca ficou irritado com uma situação destas ou nunca sofreu com um problema desses que atire o primeiro computador ao alto.
Agora projete a mesma situação descrita acima, mas ao invés de pensar em si mesmo, pense em uma grande empresa e projete os prejuízos causados por algo aparentemente simples. E se ao invés de uma grande empresa estivermos falando da esfera governamental? Por quanto tempo um governo precisará guardar um documento em formato digital? Certamente por muito mais tempo do que você ou eu e muito além do tempo de uma vida. Documentos digitais que estão sendo gerados hoje pelas esferas municipal, estadual e federal terão que ser guardados por centenas de anos. E não apenas guardados, mas seu conteúdo deverá estar acessível não apenas a representantes do poder público, mas também aos cidadãos que se interessarem por ele no futuro.
Como garantir então que esses documentos poderão ser lidos daqui a 30, 50, 100 ou 200 anos? A primeira vez que o mundo se deparou com estas questões foi durante o tsunami que ocorreu na Ásia em 2004. Nesta ocasião, diferentes países e organizações civis de ajuda humanitária tiveram que trocar informações na forma de documentos digitais para poderem organizar e planejar a ajuda aos países vítimas da tragédia natural. Não é difícil supor que assim como nós, reles mortais informatizados, os representantes dessas organizações e governos sofreram do mesmo problema que enfrentamos vez por outra em nossas vidas diárias: não conseguiram abrir os documentos enviados um pelos outros, justamente por incompatibilidade de versões e formatos. Mas o pior de tudo é pensar que por conta disso, houve atraso na ajuda humanitária enviada aos países vítimas do tsunami e que por conta desse atraso, algumas centenas de vidas podem ter se perdido. Como podemos ver, o problema descrito aqui pode ir muito além de consequências inocentes, ou prejuízos financeiros.
Mas a dúvida ainda persiste: como garantir acesso universal ao conteúdo desses arquivos, sem os quais não conseguimos viver mais? A resposta veio logo após o incidente descrito acima: percebeu-se que a única forma possível para se resolver esse problema era criar um formato aberto e livre de royalties que garantisse a todos o acesso aos documentos em questão.
O ODF é a sigla em inglês para "formato aberto de documento", um formato padrão para documentos de escritório que foi concebido pela OASIS (Organization for the Advancement of Structured Information Standards) uma organização não-governamental internacional formada por representas de grandes corporações, indústrias, governos e entidades civis, com o intuito de solucionar essas questões que foram relatadas aqui.
A boa notícia é que o estado do Rio de Janeiro aprovou recentemente o projeto de lei nº 152/11 de autoria do deputado Robson Leite, do PT. Com a aprovação do projeto, os órgãos da administração pública estadual passarão a adotar preferencialmente o formato aberto de arquivos, o ODF, tanto para criação, como para armazenamento e difusão de documentos. Isso garante não apenas a longevidade dos documentos públicos, mas também seu acesso, uma vez que há excelentes opções de suítes de escritório que permitem a abertura e criação de documentos no formato ODF e, que ainda por cima, são distribuídas sem custo algum. Como exemplo, podemos citar o LibreOffice, ou mesmo o Google Docs.
Independente de posições partidárias, são ações como estas, que promovem a inclusão e a cidadania digital, que devem ser incentivadas em todos as esferas do poder no país. Um viva para o Rio de Janeiro!
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